segunda-feira, abril 05, 2010

Diário de bordo: Viagem a Tavira (Páscoa 2010)

Um carro trocado, uma casa emprestada… duas personagens principais.

Quinta-feira dia 1 de Abril de 2010

Destino: Tavira, em direcção a alguns momentos longe da rotina diária.
Intenção: Fim-de-semana Zen.

O que interessa reter primeiro é o espírito da viagem: deixar para atrás as rotinas, as responsabilidades, as preocupações e lançarmo-nos à estrada… para o mais longe possível… que o dinheiro e o tempo disponíveis possibilitavam.

Um carro cheio… com duas mulheres e bagagens a mais.

Quatro horas de viagem… por entre gargalhadas, muitos disparates, conversas improvisadas… cantorias… terras com nomes que caiem no ouvido, tipo Monte das Pitas e Perna Seca… café e bifanas com um amigo que se cruzou connosco com destino inverso…
Milagre a assinalar… conseguimos não nos perder o que, para quem não nos conhece, é algo inacreditavelmente raro. Sendo que aqui tenho que fazer um reparo, embora nos percamos, chegamos sempre ao destino.
Pelo caminho encontramos a carrinha dos meus sonhos, daquelas carrinhas Volkswagen antigas, do "Peace & Love”… mas eu descobri que, a comprar uma, tinha que lhe pôr um motor novo, aquilo não passava dos 70 Km/hora, o que ia dar cabo do meu sistema nervoso em três tempos.
Mas o melhor da viagem estava para vir, a chegada…
Tudo muito bem planeado como sempre… ahahaha! A notar que isto é um síndrome típico da Carla, altamente contagioso, de tal modo que já consegui pegar à Ana.
… chegamos à urbanização e quando fomos à recepção depara-nos com a primeira dificuldade: não sabíamos o nº da porta da casa para que nos dessem a chave. Prática… a Ana, que já lá tinha estado, foi até ao local e lá viu o número. Na recepção acabaram por nos entregar a chave com ar de algum gozo e depois de uma ou duas piadas um pouco forçadas.

A segunda dificuldade: abrir a porta. Devia ser de estar fechada há algum tempo ou então não… talvez fosse só da nossa falta de jeito. Só sei que estivemos cerca de dez minutos, se não mais, de volta da fechadura… tentava uma, tentava outra… roda para um lado e para o outro, a puxar e a empurrar a maçaneta… de rabo para o ar a olhar para a fechadura, como um burro a olhar para um palácio. Depois de desesperar… e de já ponderar que a única forma de ter resultados era pedir ajuda… quando era noite cerrada e não se via vivalma… lá a Ana se inspirou e, não se sabe como, abriu a porta… para nosso alívio. Há que dizer que a partir daí a porta não ofereceu mais resistências.

Carregamos as malas e limpamos a casa… e uma vez mais tive a prova de que sou uma flor de estufa… fiquei com falta de ar e tive de usar a bomba! (A minha explicação é simples, eu nasci para ter empregada de limpeza, Deus nosso Senhor é que se esqueceu de me atribuir uma conta bancária à altura).

Terceira dificuldade: gás. Já com fome decidimos fazer o jantar. Perante o fogão, já com os ingredientes preparados, o bico não acendia. Então, lembramo-nos que se devia ver da bilha do gás. A Ana foi à rua (onde a bilha está) e depois de mais uns dez minutos de “Já está?!?” e “Não!!!!” e uns quantos momentos em que a Ana, com falta de fé em mim (sabe-se lá porquê), vinha confirmar se aquilo não ligava mesmo… lá se lembrou que devia haver uma torneira de segurança. Após termos descoberto a dita torneira, desesperamos alguns minutos até finalmente o gás chegar ao fogão. Tudo correu bem até eu procurar uma frigideira. Como a Ana diz, tive uns breves momentos em que achei que estava em casa de novo e queria desde uma frigideira anti-aderente… GRANDE… a colheres de pau… para não falar num saca-rolhas à altura da nossa falta de jeito para abrir garrafas de vinho. Resultado: sujei o dobro da loiça que é normal, as salsichas ficaram pegadas ao tacho e metade da rolha ficou dentro da garrafa com um buraquito no meio por onde vertia o vinho! Mas o jantar ficou óptimo.
Receita: salsichas, com rebentos de soja, pimentos, cenoura ralada, amêndoas, com molho de soja e vinho. Não tem nome, porque foi uma invenção minha, à pressão de não ter paciência para pensar muito no que fazer para comer e farta de saladas de improviso (aquelas coisas que quem vive sozinho percebe...).

Quando decidimos que devíamos tomar banho encontramos a dificuldade mais desesperante: o esquentador. A Ana tentou com fósforos, sem fósforos, com os botões de todas as formas imagináveis e não conseguiu ligá-lo. Tudo se deve claro às novas tecnologias… pois ambas temos esquentadores inteligentes.
Já estávamos a ponderar dormir assim... com uma birra imensa e medo de acordarmos coladas uma à outra de tão pegajosas que estávamos. Mas lá nos conseguimos distrair a fazer a cama e a pensar em alternativas para o banho no dia a seguir. A água estava gelada, o que punha de parte automaticamente a hipótese do banho de água fria. A Ana já ponderava seriamente em, no dia a seguir, tomar banho na piscina, o que a mim não me agradava igualmente… a água continua a ser fria e eu não posso levar o champô, amaciador e o gel duche. Desenrascada e sempre muito optimista, perguntei se a piscina não tinha balneários e como a resposta foi negativa… revoltei-me e fui eu tratar de acender o esquentador.
Lá estava eu a olhar para aquele aparelho branco, com montes de botões e a bendita torneira de segurança correspondente. Até me sair com a seguinte observação “Epá, para quê um esquentador com tantos botões?!?”. Claro que a Ana morreu a rir. Mas, em minha defesa, eu tenho que salientar uma vez mais: o meu esquentador é inteligente, se olhei para ele alguma vez não me lembro… eu tenho gás canalizado, o que quer dizer que as bilhas de gás também são um mistério para mim… para além de que estas pequenas coisas me passam ao lado, por natureza… eu admito: sim, eu sou um tanto ao quanto desligada do mundo real. Conclusão, desisti e disse à Ana para ligar a alguém que ajudasse! A Ana ligou a uns amigos que também já tinham estado naquela casa e lá lhe deram as instruções que ela já tinha tentado aplicar… mas dessa vez o esquentador acendeu. Para nossa felicidade…

Quinta dificuldade: a luz da casa de banho. Não existia luz na casa de banho, só no armário, tipo farmácia, que fazia mau contacto e não acendia, só piscava de vez enquando. Resultado: banho às escuras e tarefas normais de casa de banho feitas de porta aberta. Mas nada que não se levasse… com descontração e sentido de humor.

Perante tudo isto já não tivemos coragem de sair à noite… já era bastante tarde e nós estávamos estafada. Acabamos por ir dormir…
Eu, como é hábito, tenho problemas com a temperatura… custa-me a aquecer e não consigo dormir enquanto não estiver quentinha. Já estava a ponderar pôr a roupa toda em cima de mim (que a Ana goza, dizendo que é toda muito grande!?!), quando optei por me enrolar bem na roupa da cama e lá aqueci, acabando por adormecer.
A única parte triste de quando acordava durante a noite era ver a Ana… ao invés de algum espécimen mais adequado aos meus gostos. Mas pronto… nesses momentos pensava com força “Fecha os olhos e sonha…”. Claro que isto também deve ter acontecido com a Ana…

Sexta-feira dia 2 de Abril de 2010

Tomamos o pequeno-almoço em casa, depois de ir comprar pãozinho...
Estava um dia lindo, então fomos para a piscina apanhar sol… de biquini, como se fosse verão.
Como estávamos quase a fritar ao sol, e não tínhamos protector, decidimos ir conhecer a aldeia (acho que é uma aldeia…) onde estávamos: Cabanas de Tavira. Estava tudo fechado, mas lá andámos a passear pelas ruas e ruelas.
Antes de irmos ao centro de Tavira, fomos almoçar a casa que nem umas meninas lindas que não querem gastar muito dinheiro.
Andamos a passear dum lado para o outro, sendo que as partes que mais gostei foi a beira rio… e o Castelo.
No Castelo fizemos uma meditação, sentadas num muro, uma voltada para a outra, de olhos fechados, enquanto eu orientava a meditação. Escusado dizer que só correu bem com muito esforço, porque o sítio, até então vazio, começou a ficar cheio de pessoas… uns que tentaram fazer silêncio, outros que nem por isso… e que acabavam por sussurrar, entre risos… chegámos a ouvir máquinas fotográficas. Provavelmente isto quer dizer que andam umas fotos nossas algures em Espanha… para confirmar como os portugueses são estranhos.

Entretanto perdemo-nos a fazer compras (como qualquer pessoa normal que não quer gastar dinheiro?!?)… por entre aquele tipo de lojas que só existem em Tavira: lojas de lembranças e Chineses… que eram as únicas abertas na Sexta-feira Santa. Isto claro quer dizer que conseguimos aumentar a bagagem transportada!

Passamos por um café que vendia ginjinha e ficámos de lá passar depois de lanchar. Entramos numa pastelaria com a empregada de balcão mais simpática que alguma vez vi… de tal forma que, se o olhar matasse eu já não estava aqui a escrever isto. A senhora não tem desculpa, nem mesmo depois de eu querer saber alguns sabores dos “mil” bolos que existiam na vitrina e ela não concordar comigo que o bolo de alfarroba tem um sabor parecido com o bolo de chocolate. Comemos duas belas fatias de bolo e um galão, depois de os limpar energeticamente, pois com aquele ar de poucos amigos, todo o cuidado é pouco.
A Ana acobardou-se e não quis beber a ginjinha a seguir com medo dos efeitos adversos que pudessem advir da ginja por cima do galão.

Voltamos para casa e preparamo-nos para sair a primeira noite. Como era tarde quando nos despachamos, fomos jantar fora.

Fomos até Monte Gordo e perante um vasto menu dum restaurante que nos chamou a atenção e só depois de reclamar os preços (esquecendo-nos por momentos que estávamos no Algarve) comemos um tradicional bitoque… que estava uma maravilha, por sinal!

Ironia ou não… fomos para tão longe, acabando por sair com pessoas conhecidas. É que nós até somos um pouco desligadas, mas há certas raízes às quais nos custa desligar, estando tão perto.

A noite foi muito divertida… fomos a um bar ouvir música ao vivo e a seguir a uma discoteca junto à praia… com um nome muito estranho e pessoas igualmente estranhas. Mas, como a companhia era boa e a caipirinha também, acabou por ser muito agradável.
Como habitualmente estávamos muito alegres, embora essa noite o álcool tenha ajudado um pouco…
Uma vez mais chegamos a horas indecentes a casa e dormimos poucas horas… rotina de fim-de-semana que nos é difícil de quebrar… mesmo quando o objectivo era ter um fim-de-semana Zen.

Quando acordei, o meu humor estava longe de estar no auge e longe de ser ressaca! Lá estava eu uma vez mais com humor à montanha russa, como eu carinhosamente decidi apelidar. Resumo da crise: não sei o que quero fazer, se quero continuar a seguir no sentido em que estou a ir ou fugir. Mas depois da Ana me dar na cabeça uma vez mais e depois de ter tratado de mim (com as minhas “coisas” espirituais) … sorri e decidi continuar no mesmo caminho, apesar de todos os sinais contrários. Eu devo ter talento para rumar contra a maré… pelo menos até a um determinado ponto…

O resto do fim-de-semana resumiu-se à agitação habitual… aquela tendência natural para não estarmos quietas e à descoberta de que o que gostávamos mesmo era de ser nómadas… andar por aí... a saltitar de terra em terra.

Retorno

O retorno foi bem mais difícil do que a ida. De regresso às nossas origens fizemos o que conseguimos fazer melhor: perdermo-nos. Há que salientar que desta vez não tivemos culpa: más instruções (mas, nós conseguimos sempre arranjar uma desculpa plausível). Andámos aos papéis durante uma hora em Albufeira… entravamos e saiamos por sítios completamente diferentes… a tentar encontrar a N125. Descobrimos com esta viagem ao Algarve que a máxima de quando uma tabuleta desaparece se deve seguir em frente, pelo menos ali não se aplica. Além de haverem muitas rotundas pelo meio, que não facilitam, adorei a parte em que chegada a um cruzamento, se seguisse em frente, ia ter à “Quinta do Zé Manel”. Mas pronto, perante esta perspectiva e pelo facto de não se poder virar à esquerda, lá seguimos para a direita e encontramos o caminho de volta.

O resto da viagem foi pacífica, não apanhamos trânsito nenhum e chegamos sãs e salvas.

Grandes lições

- Eu e a Ana não devemos ir de férias sozinhas… desde o primeiro dia que descobrimos que irmos sozinhas, sem nenhum homem, não resulta muito bem.
- Não dá para fugirmos nem dos nossos sentimentos nem conflitos interiores, eles perseguem-nos. Não vale a pena tentar pôr uma boa dose de km entre nós…
- Eu tenho que conseguir engrandecer a minha conta bancária para irmos antes para um hotel, assim, a Ana não levanta pó com a mania das limpezas, nem se põe a usar lixívia, nem sonasol… o que quer dizer que poupo um ou outro ataque de asma na minha vida. Para além disso, aí já não tenho que pensar na inteligência do esquentador, nem em torneiras de segurança nem em bilhas do gás.
- Eu hei-de ser sempre uma pessoa Zen muito alternativa… não vale a pena tentar acalmar o que não é calmo por natureza, nem contrariar o que é em mim inatamente tranquilo e diferente. Isto põe em risco claro eu alguma vez conseguir ter umas férias verdadeiramente Zen, mas pronto… sou quem sou e tenho que me aceitar assim.
PS: Escrevi este diário de bordo aos poucos em viagem e o resto no nokinhas, o nosso bar de estimação... sentadas no sofá, como se estivessemos em casa.
Engraçado o universo trazer constantemente pessoas até mim que têm o mesmo modo de vida que eu... fazer do local onde estou a minha casa...

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